O bairro do Bom Retiro está marcado na história dos sul-coreanos que vivem no Brasil. Foi por ali que os imigrantes vindos da Coreia do Sul para São Paulo começaram a se instalar a partir de 1963. A ligação entre o Bom Retiro e o país asiático é tão grande que João Doria, prefeito de São Paulo, manifestou em abril o desejo de apelidar o bairro como “Little Seoul” (Pequena Seul). Do século XIX à metade do século XX, a região era predominantemente ocupada por judeus. Com a chegada dos sul-coreanos, muitos comércios que pertenciam a judeus mudaram de mãos e o perfil do bairro mudou. São poucos os endereços que mantêm o perfil judaico no Bom Retiro.

Fresh Cake Factory: um dos quatro estabelecimentos sul-coreanos nos 140 metros de um único quarteirão

Andar pelo Bom Retiro é naturalmente esbarrar em alguns estabelecimentos comerciais comandados por sul-coreanos ou dedicados à cultura local. Uma versão brasileira da “Koreatown”, o quarteirão de Nova York que abriga muitos negócios de imigrantes vindos da Coreia do Sul. Na “pequena Coreia” paulistana, um quarteirão em especial chama a atenção: é o que aloca os números entre 540 e 630 na Rua Prates, a primeira do bairro sul-coreano para quem vem da vizinha Estação da Luz. Além de concentrar um grande número de estabelecimentos orientais, esse quarteirão – que fica exatamente no meio do caminho de pouco mais de um quilômetro entre as extremidades do logradouro – atende especialmente aos fanáticos por pães e doces.

Placas em português e em coreano para orientar os fregueses do Fresh Cake Factory

Entre padarias e docerias da Coreia do Sul são quatro estabelecimentos em um intervalo de 140 metros. Trata-se de uma avalanche relativamente recente: o mais antigo endereço não tem sequer 10 anos e abriu as portas em 2009, até passar por uma grande reformulação para atingir a forma atual no início de 2016. Trata-se da Fresh Cake Factory, padaria instalada no número 585. A lousa de escola que serve de cardápio apresenta opções tradicionais como o espresso e o capuccino, mas oferece também oito tipos de chá coreanos (cada um deles podendo ser quente ou frio). Os preços variam de R$ 6 a R$ 15.

Fresh Cake Factory tem bebidas tipicamente orientais

A Fresh Cake Factory também tem frapuccinos orientais, como o yuja e o doe chu (R$ 17), e uma pequena padaria em que se destacam o korokke de carne e batata (R$ 5,50) e  o pão de amendoim (R$ 5,50). A casa aposta em promoções: uma delas oferece pão amanhecido por valores mais baixoa. O chef Marcelo Yang fica nos fundos da pequena casa preparando os produtos que são comercializados nas prateleiras ou pedidos no balcão.

Não muito longe dali, no número 563, está a Bellapan, que abriu as portas em 2009, mas só em 2016 chegou à Rua Prates. O empreendimento de Serafina Ahn, nascida em Seul, é bem mais espaçoso que as concorrentes. A aposta é adaptar os doces e salgados sul-coreanos ao paladar brasileiro. O bonpan, carro-chefe da casa, é um dos melhores exemplos: além do creme de café, que caracteriza o salgado em terras asiáticas, foi acrescentado um pouco do requeijão tipicamente brasileiro. Até açaí pode ser encontrado entre as opções que oscilam entre R$ 4 e R$ 8. A lousa na entrada exige conhecimento no idioma oriental: não há nenhuma palavra escrita em português.

Bellapan: lousa 100% sul-coreana

Padaria sul-coreana chegou à Rua Prates no ano passado

O mais curioso dos quatro endereços está entre a Bellapan e Fresh Cake Factory, no número 577. Quem entra pode até achar que se trata de um café normal, mas o nome já dá uma pista de que tem algo diferente ali: Café Turismo Together. Pode levar o “together” (“juntos”, em inglês) ao pé da letra: no mesmo prédio funcionam um café e uma agência de turismo, ambos voltados para a cultura sul-coreana. O curioso é que eles pertencem a donos diferentes e a agência, embora mais antiga (aberta em 2005, dez anos antes do café), ocupa o piso subterrâneo, com uma pequena plaquinha no fundo da casa indicando o caminho para ela.

A decoração do Café Turismo Together é toda inspirada nas viagens que são o ganha-pão da vizinha de baixo. Logo na entrada, do lado direito, surge um imenso mapa-múndi com alguns destinos marcados em destaque. Do lado esquerdo, atrás da porta, encontra-se uma estante com livros de viagens (escritos em coreano) e pequenas réplicas de cartões postais, como as Pirâmides de Gizé (Egito) e a Torre Eiffel (França). Outros detalhes como uma coluna com réplicas de aviões de companhias europeias também ajudam o cliente a se ambientar.

A casa aposta bastante nos doces. A geladeira, não muito farta em opções e com alguns espaços vazio, tem brownies (R$ 15) e pedaços de bolo de amendoim (R$ 11), identificados em português e coreano. Entre os salgados, o destaque é o bungeopangg, quitute que tem recheios variados (R$ 7 a R$ 9). Outro ponto forte do Café Turismo Together são as bebidas, como o yujacha, chá feito com casca de laranja. As bebidas podem custar de R$ 5 a R$ 15.

Café Turismo Together: mistura de gastronomia e agência de viagens

Por fim, ainda que não seja uma padaria e sim uma sorveteria, vale a menção à Snow Fall. A rede de gelados sul-coreanos já tinha duas unidades abertas (uma na Rua dos Estudantes, na Liberdade, e outra na Rua Oscar Freire, nos Jardins) quando inaugurou, no ano passado, o seu ponto na Rua Prates, 547. O negócio mudou de mãos há dois meses: “Não conhecia a Snow Fall, mas estava procurando uma oportunidade de abrir algo aqui na região e apareceu essa chance”, conta a nova proprietária Alice Yamashita.

Fachada da terceira unidade da sorveteria Snow Fall

Desde que os sócios Ronaldo Kim e André Park abriram a primeira unidade, o carro-chefe é o BingSu, um pote de gelo raspado com leite adocicado. Outra opção é o PatBingSu, que leva o tradicional feijão vermelho. Essas e outras variações do “sorvete de neve” são encontradas em uma faixa de preço que vai de R$ 12 a R$ 35. Um freezer com macarrons recheados com os sorvetes da casa (R$ 12 cada) completam as opções. A Snow Fall aposta em um visual “clean” para ambientar o cliente à proposta do gelado sul-coreano. Nos fundos do estabelecimento surge até um mapa ensinando a falar “flocos de neve” nos mais variados idiomas.

“Avalanche de sabor” é promessa da Snow Fall (Foto: Divulgação)

Em meio à tanta concorrência existe um “estrangeiro”: a Duco Tea Milk é chinesa e aposta em produtos ascendentes no mercado, como o suco de pobá, originário de Taiwan. Ao longo desse quarteirão os sul-coreanos se sentem em casa em dois centros de estética, um estúdio fotográfico, uma relojoaria, um centro médico, um “music bar” e três restaurantes.

É o trecho da Rua Prates onde mais se sente em uma “Little Seoul”, tanto pelos estabelecimentos quanto pelo perfil de quem passa por ele. Nos primeiros 500 metros a rua se assemelha à tantas outras do centro da cidade com vários bares e restaurantes mais brasileiros.  Ainda assim esse trecho apresenta quatro restaurantes orientais, além de um café, uma pastelaria, um centro de estética, um centro de acupuntura, um cemitério, uma floricultura, uma igreja, duas mercearias, um açougue e uma hospedaria que fazem jus às tradições de “pequena Coreia” do bairro.

Nos seus últimos 500 metros a Rua Prates se torna mais deserta, com grandes galpões e prédios abandonados. A Coreia do Sul é representada por duas igrejas, uma escola, um restaurante e um karaokê.

(Com reportagem de Leonardo Dahi)