Ao longo de 1.600 metros, a Rua dos Pinheiros, na zona oeste, abriga 73 estabelecimentos comerciais voltados para a alimentação. Entre tantas opções possíveis na hora de abrir um negócio gastronômico, nenhuma faz mais sucesso nesta rua do que as hamburguerias. Percorrendo toda a rua encontram-se 16 estabelecimentos que dão destaque, com maior ou menor intensidade, ao hambúrguer, incluindo aí desde padarias até lanchonetes gourmet. Se estendermos o olhar para as esquinas encontraremos outras cinco hamburguerias. É a maior concentração de hambúrgueres de São Paulo.
Essa história está a dois meses de completar 50 anos. Dá para dizer que ela começou em 14 de outubro de 1967. Então com 30 anos de idade, o português Raimundo Pereira abandonou de vez o trabalho em fábricas para abrir, na esquina com a Pedroso de Moraes, a Oregon, primeira lanchonete do bairro: “Fui pioneiro”, jacta-se. “A rua tinha dois restaurantes, mas eu abri uma lanchonete. Os jovens vinham todos aqui. Comiam no balcão ou do lado de fora”.
Raimundo segue trabalhando todos os dias na Oregon. Boa parte dos clientes que entra e sai do local o cumprimentam pelo nome. Alguns conversam com ele durante o consumo dos lanches absolutamente tradicionais e sem invencionices: “Recebo até bisnetos de clientes antigos meus”, garante. Em todos esses anos, a única reforma feita no local foi uma ampliação, com mesas nos fundos da casa. O balcão branco com cadeiras amarelas segue o mesmo.
Seguro da qualidade dos seus produtos – embora sempre pergunte aos clientes se tudo saiu bem -, o português diz ter a “única hamburgueria pura do Brasil” e ataca os concorrentes mais modernos: “Aqui eu não vendo nem chiclete. Só hambúrguer. Hoje em dia o pessoal abre lanchonete e coloca arroz e feijão no menu. Isso não é lanchonete. Cada um vende seu peixe e compra quem quer, mas tem gente que bota muita coisa no hambúrguer e aí cobra um absurdo”, reclama o pioneiro. “O segredo para conseguir permanecer por tanto tempo é continuar o que deu certo no começo até o final”.
Da chuva de críticas do comandante da Oregon se salvou apenas o concorrente mais próximo, a Hamburguinho, que desde 1993 ocupa o número 1072 da rua. Sem abandonar o velho balcão, a casa também tem uma clientela fiel: “Eu venho aqui desde que abriu. As outras botam muita coisa e isso encarece o lanche”, reclama o consultor de empresas Roberto Brandão, já íntimo dos funcionários. Para o gerente Sebastião Fernandes, sobreviver em uma rua com tanta concorrência não tem segredo: “Já vi muito negócio que abriu e fechou em seis meses. Precisa ter qualidade e bom atendimento”, palpita.
Nesse conflito entre passado e presente, os caçulas da Rua dos Pinheiros também dão as suas cartas. Com 53 anos de idade e outras experiências no ramo da gastronomia, Romulo Souto Maior abriu há um mês e meio as portas da The Burger, no número 713. Ali, duas hamburguerias naufragaram recentemente. Para reverter essa escrita, ele aposta, dentre outras coisas, no arroz e feijão criticado pelo dono da Oregon e numa experiência que vai muito além do sanduíche: “Além do atendimento e da qualidade, temos o visual, o conceito. Você só entra em um lugar se sente confortável nele”, explica.

Sem medo do arroz e feijão: Romulo Souto Maior aposta no horário do almoço para emplacar a The Burger
Para ele, a localização da Rua dos Pinheiros ajuda a explicar a proliferação de hamburguerias: “Você está perto dos jovens e das baladas da Vila Madalena. Isso já estimula esse tipo de estabelecimento. E aqui você consegue atrair também um público um pouco mais mesclado, de uma faixa de idade mais alta, que mora na região”. A chef Patricia Abbondanza, criadora de um curso de empreendedorismo na área da gastronomia, o Foodlab, concorda: “Essa é uma região que está efervescente no cenário gastronômico de maneira geral. O público desse bairro busca um estilo mais descontraído de estabelecimento, o que contribui para a proliferação de hamburguerias”, aponta.
O preço é uma arma nessa briga. O X-Salada da The Burger custa R$ 17,90, bem menos que os R$ 25 dos tradicionais Oregon e Hamburguinho: “Temos nossos lanches especiais, mas não dá para fugir dos tradicionais”, pontua Souto Maior. Para ele, será essencial usar a experiência dos projetos que não deram certo para tocar adiante a “bebezinha da rua”, como ele próprio define a sua casa.
Boa parte das hamburguerias que hoje ocupam a Rua dos Pinheiros foram abertas recentemente. A Twin Burger, que abriu em 2007, acaba até parecendo velha perto das muitas que chegaram nos últimos cinco anos: casos do Meats (2012), do Meat Chopper Burger (2012) – apesar do nome parecido são casas diferentes -, e do Z Deli (2013) e do Kod (2016), que geograficamente estão nas ruas Francisco Leitão e Simão Álvares, mas na prática fazem parte do corredor gastronômico da Rua dos Pinheiros. Da mesma forma, outra das novatas, a Bysburger, que abriu as portas em junho deste ano, fica no comecinho da Mourato Coelho, praticamente na esquina com a “rua do hambúrguer”. É no mínimo uma tendência de que a concorrência deve aumentar.
A Z Deli é hoje a hamburgueria mais concorrida da rua e vende seus pães de hambúrguer numa janelinha ao lado da casa. Outra bem badalada, a Meats fechou no mês passado as portas de sua filial, na Alameda Lorena. O curioso é que, nos Jardins, a hamburgueria tinha também um concorrente na mesma quadra, a lanchonete A Chapa. Mas era uma só.
Quanto maior o número de opções, maior é a chance de surgirem novidades. Uma das mais recentes é o Souk, que não fica exatamente na Rua dos Pinheiros e sim a menos de uma quadra, na Mateus Grou com a Arthur de Azevedo. Aberta neste ano, a casa se apresenta como uma hamburgueria árabe e aposta em um hambúrguer feito com a receita de quibe.
Até casas não especializadas incluíram hambúrgueres em seus cardápios. O Empório São João tem uma versão de carne e outra vegetariana no cardápio. Já o Via Emília, inaugurado em 2014, é especializado nos sanduíches em piadinas (pão italiano que lembra vagamente um pão sírio). Passou a oferecer em seus almoços executivos um hambúrguer de fraldinha na piadina. O sucesso fez o sanduíche ser incorporado recentemente ao cardápio.
Ao longo da rua, vê-se de tudo. De hambúrguer em uma omeleteria como a Eggs (vizinha de frente da Twin Burger) até X-Burger feito de hambúrguer congelado, desses que se compram em supermercado, como o do Bar do Gaúcho ou Texas Hambúrguer (cada letreiro diz uma coisa). Fechando a conta, o blog contou seis padarias e bares populares que fazem também o sanduíche.
Também geograficamente fora da Rua dos Pinheiros, mas na prática parte dela, veio a novidade mais recente: o Hareburger. A primeira hamburgueria 100% vegana desse logadouro e de suas adjacências. A vegana Marina Boudin conheceu uma das dez unidades do Hare no Rio de Janeiro e se interessou em abrir o negócio em São Paulo: “Era um sonho deles vir pra cá. A diferença é que lá eles ainda não conseguiram fazer uma hamburgueria vegana, e sim vegetariana. Aqui eu consegui abrir 100% vegana. Em breve acredito que as de lá serão também”, palpita.
Não há dúvidas de que se trata de uma hamburgueria bastante diferente das rivais. Não só pelo cardápio, como pelo ambiente. O piso de madeira, a escada antiga (mas bem pintada) e a rede que adorna o andar superior são outros indicativos: “Além de ser uma proposta totalmente diferente, nós tentamos preservar a história dessa casa. Eu comprei de uma senhora que morou a vida toda aqui e tinha muito apego. Só mudou porque a vizinhança era muito barulhenta para ela. Então vamos respeitar esse ambiente de casa. Nosso caminho é o de fazer eventos para reunir pessoas que tenha a nossa visão de mundo, do veganismo e do vegetarianismo”, garante Marina.
A história do Hare é curiosa: o fundador foi o carioca Rafael Kraas. Dez anos atrás, ele queria viajar para a Bahia e não tinha dinheiro. Com 50 reais emprestados pela avó, ele fez os hambúrgueres vegetarianos e saiu vendendo pelas praias da cidade. Deu tão certo que virou uma franquia com 10 lojas espelhadas pela Cidade Maravilhosa e que desembarca agora em São Paulo: “Minha reunião com os sócios do Hare foi como um encontro de almas”, comemora Marina.
A criadora do Foodlab, Patricia Abbondanza, diz que se colocar como mais uma opção em um mercado já bastante concorrido não é, por definição, um acerto e nem um erro. Tudo depende do perfil de quem vai empreender: “Esse efeito ‘manada’ é comum em negócios que fazem sucesso, principalmente quando falamos de nichos de mercado como o hambúrguer. Depende da estratégia do empreendedor. Já tive, por exemplo, uma ex-participante do Foodlab que escolheu abrir uma hamburgueria em Santana justamente para fugir da concorrência”. Esse, definitivamente, não é o perfil de Romulo Souto Maior, da The Burger: “A Consolação é uma rua cheia de lojas de lustres. Eu quero mais é que sejam abertas mais hamburguerias aqui para essa virar a ‘Rua do Hambúrguer’ em São Paulo”, proclama. Já não é?
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