Ir ao cinema é um passeio comum para o paulistano. Hoje, boa parte deles (principalmente os mais modernos) está nos shopping centers, sob o comando de grandes redes internacionais. Assistir aos grandes blockbusters é um hábito antigo na maior cidade do país e deixou marcas que permanecem até hoje em uma de suas mais famosas regiões: no centro da cidade, sobretudo entre as décadas de 1940 e 1960, estavam uma infinidade de salas que transformaram a região na Cinelândia Paulista. “O eixo de exibição cinematográfica saiu da região da Sé e passou para o outro lado do Vale do Anhangabaú”, explica José Inácio de Melo Souza, autor do livro “Salas de Cinema e História Urbana de São Paulo”, da Editora Senac.
Eram tempos em que não se encontravam cinemas aos montes e opções como os DVDs, as TVs a cabo ou o sistema de streaming pareciam coisa de filme de ficção científica. As salas enormes, bem decoradas e com equipamentos modernos para a época conferiam um certo glamour ao que hoje é banal. “Podia-se também cobrar um valor mais caro no ingresso porque ali estava o dinheiro. Era o centro financeiro e comercial de São Paulo”, conta José Inácio.
A partir da década de 1970, no entanto, vieram os shopping centers e o ramo deixou de ser lucrativo em uma região que começava a ser degradada enquanto outras emergiam no que hoje se chama de “centro expandido”. “O centro comercial da cidade se deslocou para a Avenida Paulista e para lá foram os shoppings, os cinemas e o dinheiro. Os cinemas da Cinelândia eram enormes e nem todos os prédios eram próprios, de modo que o custo com o aluguel também ficou inviável”, pontua o escritor.
Sem público, os outrora gloriosos cinemas da região seguiram caminhos diferentes, mas igualmente melancólicos. Uns simplesmente fecharam, enquanto outros apelaram para os filmes pornográficos. Pouquíssimos escaparam das pichações, arrombamentos e, em alguns casos, invasões. Um deles foi o Cine Olido, na Avenida São João, que foi recuperado pela Prefeitura e mantém, além da sala de cinema, apresentações culturais públicas. Embora a Cinelândia tenha aparecido apenas na década de 1940, o prédio do Cine Olido tem enorme valor histórico: “Esse prédio tem muita história. Ele recebeu o primeiro cinema da região, o Moulin Rouge, em 1907”, afirma José Inácio.
Em 1992, o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do governo Estado de São Paulo) tombou sete desses prédios. Hoje, apenas um funciona como um cinema de circuito comercial. As fachadas, no entanto, são preservadas, guardando minimamente o charme dos tempos da Cinelândia.
Cine Paissandu – Localizado no número 62 do Largo do Paissandu, tinha uma fachada imponente, com colunas altas e uma pequena e charmosa escadaria. Revestido em mármore, era um dos cinemas de maior capacidade de São Paulo (2.150 cadeiras na sala). A inauguração foi em 19 de dezembro de 1957 e já deu fama ao painel de 15 metros que exibia imagens de danças brasileiras. A partir de 1973, o Paissandu se dividiu em duas salas. A crise financeira chegou forte e, em 1993, parte do cinema se transformou em um bingo. A proibição do jogo foi o golpe definitivo. Hoje, a área está completamente desativada, restando apenas um painel rasgado com a inscrição “bilheteria”. O prédio é ocupado por salas comerciais.

Acima, a fachada do Cine Paissandu tomada pela pichação; abaixo, cartaz rasgado da bilheteria recorda a antiga atividade do local
Cine Art-Palacio – Inaugurado como Cine UFA Palacio (sigla da empresa alemã Universum Film AG, que custeou sua construção) em 13 de novembro de 1936, o cinema foi projetado pelo arquiteto brasileiro Rino Levi. O projeto era considerado bastante moderno para a época por já se preocupar com questões como a circulação de ar e a acústica. A sala erguida no número 419 da Avenida São João tinha capacidade para cerca de 3 mil pessoas. O nome Art-Palacio foi adotado em 1939. Algum tempo depois, as requintadas produções europeias deram lugar a filmes mais popularescos. Um dos artistas que consagraram essa fase foi o comediante Amacio Mazzaroppi, que fazia os lançamentos de suas películas no Art-Palacio, sempre no dia 25 de janeiro, data de aniversário de São Paulo. A decadência da Cinelândia atingiu em cheio o local: a partir da década de 1980, perdeu de vez todo o charme ao exibir apenas filmes pornográficos. O fim definitivo veio em 2012. O hotel que funcionava junto do cinema ainda está ali. São cinco andares com diárias de 104 reais. A sala de cinema está abandonada.
Cine Jussara – É um dos poucos que ainda preservaram a atividade de cinema de filmes pornográficos. As sessões começam às 9 horas da manhã, com ingressos a 8 e 16 reais. Cartazes na porta anunciam que as películas, proibidas para menores de 18 anos, tem “histórias imperdíveis”. O cinema, erguido na Rua Dom José, 306, foi inaugurado em 1951 e fica quase na esquina do Olido. Seu primeiro filme foi o francês “Conflitos de Amor”, que exibiu com exclusividade por seis meses. Construído na antiga sede do Esporte Clube Pinheiros, o Jussara foi a casa da Nouvelle vague, movimento cultural do cinema francês nos anos 1960. O declínio começou ainda nos anos 1960 e a casa passou a se chamar Bruni. Em 1976, adotou o nome atual, Cine Dom José, com o qual se transformou em um dos mais famosos cinemas pornôs da região.
Cine Ipiranga – Outro dos cinemas que dividiu espaço com um hotel (no caso, o Excelsior, que permanece em atividade com seus 25 andares e cobrando uma diária que varia entre 500 e 600 reais), o cinema foi construído na Avenida Ipiranga, 780. Mais uma obra do arquiteto Rino Levi, ele foi inaugurado em 1943. O Ipiranga se notabilizou pela iluminação bem cuidada, pela acústica acima dos padrões da época e pela arquitetura clássica. Apesar da decadência acentuada a partir da década de 1980, o Ipiranga resistiu até fevereiro de 2005. Hoje, a área ocupada por suas salas está praticamente desativada, servindo apenas como estacionamento do Excelsior.
Cine Marabá – Localizado quase que exatamente em frente ao Ipiranga, o Marabá está no número 757 da Avenida Ipiranga. Destoa dos demais por ser o único que ainda exibe filmes do circuito comercial. Na verdade, ele também enfrentou a decadência dos seus companheiros de Cinelândia, mas conseguiu ressurgir. Foi inaugurado em 1945 pelo empresário Paulo Sá Pinto como forma de tentar diminuir o monopólio cinematográfico do espanhol Francisco Serrador, dono do Art-Palacio e do Ipiranga, entre outros. A sala tinha 1.655 lugares e fez bastante sucesso, mas entrou em decadência no mesmo período da maior parte dos vizinhos. Nos anos 1980, fechou as portas e só viu a sorte mudar em 1996, quando foi comprado pela distribuidora PlayArte. A companhia, que tem cinemas espalhados por todo o país, promoveu uma grande reforma no local e fez a reabertura em 2007. Agora o cinema tem cinco salas. O Hotel Marabá esteve o tempo todo ali, nos andares acima das salas que exibem os filmes.
Cine Marrocos – Localizado em um importante centro cultural da cidade (na Rua Conselheiro Crispiniano, 344, entre a Praça das Artes e a parte de trás do Theatro Municipal), o Cine Marrocos foi um dos mais famosos da região da Cinelândia. Localizado em um edifício homônimo de 12 andares, tinha uma fachada de ótimo gosto, com colunas inspiradas na cultura árabe. Esse era o tom também de uma sala com capacidade para 1.500 pessoas e adornada com um chafariz e um requintado bar. O Cine Marrocos foi inaugurado em 1951 como “o mais luxuoso cinema da América do Sul” e sediou o I Festival Internacional de Cinema do Brasil três anos depois. Resistiu até 1992 e, depois de desativado, virou moradia para os sem-teto. Em 2011, a Prefeitura começou a buscar a reintegração de posse do local, o que gerou conflitos entre os invasores e a polícia. Em 2016, o edifício enfim voltou para a Prefeitura, que faz agora reformas no local, que abrigará a Secretaria Municipal de Educação.
Cine Metrópole – É o menos famoso dos prédios tombados pelo Condhepaat e também o mais afastado: fica em uma pequena galeria na Avenida São Luís, 187. O Metrópole foi inaugurado em 25 de janeiro de 1964 como parte das comemorações pelos 410 anos da cidade de São Paulo. À época, a Cinelândia já não vivia o seu período mais glorioso, mas o cinema ainda atraía as classes mais altas. Com a derrocada definitiva a partir da década de 1980, os proprietários optaram pelos filmes pornográficos a partir de 1993. Não deu certo e cinco anos depois o Metrópole fechou as portas em definitivo. Hoje, só a pequena galeria erguida junto do cinema continua funcionando.
Outros cinemas famosos daquela região, como o Metro, o Regina e o Cinespacial não foram tombados e perderam todas as suas características originais: no prédio do Metro hoje está uma igreja evangélica; o Regina foi demolido e o Cinespacial abriga um estacionamento.
faltou o metro, comodoro, cine espacial e o palacio do cinema
Frequentei muito esses e outros cinemas da região já no fim dos seus dias de glória(final dos anos ’80)
Tive o privilégio de frequentar algumas dessas salas nos anos 80, é triste ver a situação centro velho hoje.