Oswaldo Paolicchi inaugurou sua pequena lanchonete na Rua Bom Pastor no almoço do dia 30 de outubro de 1966. Oficialmente ela se chama Good Dog, mas ninguém a conhece dessa forma. Para os paulistanos, a mais querida hamburgueria do Ipiranga atende por “Lanchonete do Seu Oswaldo”. Nascido em 8 de setembro de 1929, no vizinho bairro do Cambuci, Oswaldo Paolicchi se mudou ainda pequeno com a família para o Ipiranga. O pai era filho de um imigrante italiano, enquanto a mãe havia chegado de Portugal com 9 anos. Ao herdar uma fábrica de armários para banheiros que passava por dificuldades financeiras, ele começou a pensar em abrir um novo negócio. A ideia de uma lanchonete apareceu quando ele notou que ainda não havia nenhuma hamburgueria no Ipiranga. “Ele passou um ano testando em casa o molho de tomate e a maionese antes de abrir”, conta Marta Paolicchi, filha do Oswaldo e herdeira da lanchonete desde que ele faleceu em 30 de janeiro de 2008, aos 78 anos.
Oswaldo abriu a lanchonete aos 37 anos, já casado com Norma Paolicchi e também pai de Marta e Sérgio (este já falecido). Marta explica que muito antes disso o pai tinha intimidade com a cozinha: “Em casa, nós sempre deixávamos a carne e a salada para ele temperar. Ele tinha mão boa para temperos e gostava daquilo”. A ideia dos molhos especiais era diferenciar a lanchonete das outras que já existiam na cidade. Como a família tinha a posse do pequeno prédio, bastou reunir um chapeiro e um balconista para a inauguração. Pelo menos era o que ele pensava: “No dia da inauguração, parecia que o bairro todo veio até aqui”, relembra Marta. “As filas ficaram tão grandes, que foi preciso chamar minhas tias para ajudar a dar conta”.
O início foi difícil. A estrutura modesta, com poucos funcionários, não conseguia atender sempre a alta demanda no bairro: “Quando o molho de tomate acabava, ele não tinha como fazer mais em tempo hábil. Então, fechava as portas para não entregar uma coisa sem qualidade”, afirma Marta. Segundo ela, depois de mais ou menos 25 anos, a lanchonete acabou fazendo fama em toda a cidade graças ao “boca-a-boca”. Hoje, até mesmo quem se mudou da cidade ou do país se sente atraído, quando volta à São Paulo, a bater ponto no balcão da lanchonete. “Temos clientes que foram morar na Bélgica e nos Estados Unidos que sempre voltam aqui para matar a saudade”, conta a dona, orgulhosa.
O cardápio quase não mudou nesse meio século de vida. Não há porções de fritas ou de aneis de cebola. Nada de ingredientes da moda. Aliás, se tem uma coisa que não tem vez na Lanchonete do Seu Oswaldo é um modismo. Entre as grandes tradições criadas pelo seo Oswaldo, a maior delas é justamente o molho de tomate caseiro. Em companhia ao hambúrguer fino, de 90g e feito de patinho moído, ele ajuda a entender já na primeira mordida a razão para a casa estar cheia. A maionese, também feita ali nos fundos da lanchonete, completa o trio de sucesso. Colocado dentro de um saquinho branco e sobre um prato azul, exige alguma técnica para que não escorregue das mãos. O sabor faz jus aos vários quadros pendurados na parede indicando as premiações recebidas pela casa ao longo de tantos anos. A receita dos molhos especiais, como garante a atual proprietária, é rigorosamente a mesma há 50 anos. A decoração, com poucas mudanças, parece fazer um esforço minucioso para ser despretensiosa e informal. Paredes de azulejo branco com pequenos mosaicos coloridos têm a companhia apenas dos quadros, premiações e de dois espelhos grandes que refletem os clientes.
Para o consultor gastronômico Luiz Américo Camargo, a simplicidade é o principal fator do sucesso do local: “As outras lanchonetes complicaram glamurizaram, encareceram o hambúrguer… Eles mantiveram o padrão de cuidar dos detalhes, dos ingredientes, da essência. Não sou dos que acham um sanduíche mítico ou o melhor do mundo, mas é um sanduíche simples e muito bem feito”, elogia. “Não acho, também, que seja ultrapassado, como alguns gostam de dizer. Acredito que a tendência de complicar o hambúrguer já está passando. Até pela crise atual do país cobrar 38 reais em um sanduíche assusta. Ali, o cliente vai gastar no máximo 18”, aponta. Luiz Américo acredita que a lanchonete não deve mudar muita coisa para se manter entre os mais famosos endereços da cidade: “Acho só que é preciso tomar um pouco de cuidado com o ponto da carne. Nas últimas vezes que fui, tinha passado um pouquinho. É difícil controlar porque é uma carne fina”.
A Lanchonete do Seo Oswaldo não tem telefone e não aceita pagamentos em cartão de débito ou crédito. Quem quiser comer o hambúrguer mais famoso do Ipiranga precisa levar dinheiro ou cheque. “Meu pai sempre resistiu a essas coisas para não descaracterizar o local. É uma questão de tradição, mas, nesse caso do cartão, um dia podemos mudar”, explica. Luiz Américo Camargo acredita que essa é uma mudança necessária: “Muita gente chega ali e acaba sendo pega de surpresa. Hoje em dia quase ninguém anda mais com dinheiro, então essa seria uma facilidade para os clientes”.
O carro-chefe é o x-salada. Quando algum forasteiro chega e pede outra coisa, os funcionários não perdem a oportunidade de sugerir os lanches mais tradicionais. Afinal, são eles também parte da história do local: “O meu pai sempre teve a preocupação de formar uma equipe entrosada, que conhecesse cada passo da casa. Com exceção dos chapeiros, todo mundo tem que fazer de tudo”, afirma Paolicchi. E é assim mesmo que a lanchonete funciona: todo mundo faz de tudo. De vez em quando, é preciso inclusive dar uma olhada na máquina de sucos naturais, cada vez mais raras na cidade, mas que ainda persistem dando um toque ainda mais único para o local.
E quem comanda toda essa turma de sete funcionários é o gerente Manoel Gomes, que está casa há 22 anos. Por trabalhar como bibliotecária no Centro Cultural São Paulo, Marta não tem tempo para cuidar da lanchonete como fazia o seu pai: “Sem o Manoel, seria impossível. É um profissional sério, íntegro e que domina tudo. Quando o Oswaldo morreu, foi ele quem fez com que a clientela não caísse, pois foi preparado para assumir e também já conhecido pelos clientes. Ele chegou muito jovem, mas foi perdendo a timidez e construindo uma empatia muito grande com meu pai”, elogia.
Foram eles quem comandaram a pequena reforma pela qual a casa passou em 2011. A lanchonete dobrou de tamanho e hoje tem três mesas com quatro lugares cada uma e 29 banquetas. “O meu pai nunca foi pressionado para aderir a muitas modernidades. Os próprios clientes pedem para a gente não mexer em nada. A única coisa que eles sempre pediram e nós fizemos foi ampliar um pouco a capacidade do local, coisa que meu pai não fez porque já não tinha mais a mesma força que tinha no começo”, registra Marta. Apesar de ser sempre consultada, a dona dá a Manoel liberdade para tomar decisões e representar o negócio. No dia da reportagem, por exemplo, ele ficou por uma hora e meia em uma reunião, que seria emendada em outra. É ele também quem treina os novos funcionários. Inicialmente, eles apenas anotam os pedidos. Depois, já com mais experiência, passam a se revezar nas demais funções. A agilidade é fundamental: em cinco minutos, o pedido é entregue no balcão. A conta é feita sem necessidade de calculadora: dinheiro recebido, troco concedido. Tudo muito rápido, como manda o tamanho da clientela.
Quem também faz parte da história do local é o atendente Luiz Gonzaga. Há 17 anos ele trabalha no local: “Quando eu cheguei éramos só eu, o Oswaldo e o Manuel. Gosto de trabalhar aqui porque não tem aquela pressão pelo lucro como em outros lugares. E o salário é bom!”, afirma. Ele conta ainda que, depois da morte do fundador, foi preciso buscar dois novos funcionários: o garçom Alan Gomes o chapeiro Claudinei Martins. Posteriormente, completaram o time outro chapeiro, Wenes Sales, e mais dois atendentes, Bruno Gomes (primo de Alan) e Erlan Ferreira.

Da esquerda para a direita: Wenes Sales, Claudinei Martins, Bruno Gomes, Alan Gomes, Erlan Ferreira, Manuel Gomes e Luiz Gonzaga
A tradição envolvendo o lanche mais famoso do Ipiranga criou também alguns mitos em torno da figura do seu fundador. Um deles é o de que o Oswaldo era bravo e ranzinza. Marta explica que não era bem assim: “Ele tinha esse lado ranzinza, rígido, de não deixar nem o cliente, nem os funcionários ultrapassarem um limite, sim. Mas ele também era extremamente extrovertido, engraçado e bem humorado. Quando ele morreu, uma das coisas que eu mais ouvia dos clientes era que eles tinham saudade de encostar no balcão e ficar conversando e dando risada com o meu pai”. Além da lanchonete, Oswaldo tinha paixões tipicamente paulistanas como a música e o futebol: “Ele era torcedor do Juventus. Chegou, inclusive, a ser jogador semiprofissional lá e na Portuguesa Santista”, conta a filha.
Com tanta tradição e tanto sucesso, não é de se admirar que o ambiente da Lanchonete do Seu Oswaldo se reproduza em algumas outras do bairro. Ali mesmo no Ipiranga o Kaskata’s (lanchonete que completa 40 anos em 2016) também oferece um molho de tomate caseiro no lugar do tomate. Isso aconteceu depois que um chapeiro que saiu da Lanchonete do Seu Oswaldo foi contratado pela concorrente. A rede Lanchonete da Cidade, com unidades espalhadas por toda a capital, é outra que também usa um molho de tomate caseiro, a exemplo do que o Seu Oswaldo fez há 50 anos. O cardápio da Lanchonete da Cidade cita o criador da ideia.
Marta garante que isso nunca incomodou o criador: “Ele não ligava pra isso. Os nossos produtos são diferenciados, o nosso atendimento também. Então, por mais que as pessoas copiem, não fica igual”, finaliza. O gerente Manoel Gomes concorda: “O nosso diferencial é a qualidade. Aqui é tudo fresquinho, feito na hora”, orgulha-se o piauiense que se tornou a marca registrada da cinquentenária lanchonete.
Lanchonete Seu Oswaldo: Rua Bom Pastor, 1657, Ipiranga. Horário de funcionamento: todos os dias, das 12h às 22h.