Violinos, violas e violoncelos ressoam nos arredores do número 460 da Avenida André Ramalho, em Santo André, no ABC Paulista, onde diariamente acontecem os ensaios do Projeto Locomotiva, às 9h e às 15h. As aulas têm duas horas de duração e são gratuitas. Mas não se engane: “Não somos uma escola de música, somos uma orquestra”, garante o maestro Rogério Schuindt, responsável pelo grupo.
Filho do maestro Nelson Cândido, Rogério, de sorriso fácil e esforçado em precisar datas, é, aos 35 anos, o caçula de quatro irmãos. “Nasci com o violino na mão”, gosta de dizer. Na verdade, começou a estudar música aos seis anos de idade, quando entrou na aula de piano. “Mas, antes disso, meus irmãos já me ensinavam”. Numa viagem à Venezuela, em 2008, conheceu de perto o famoso programa musical El Sistema, criado em 1975 pelo maestro Jose Antonio Abreu. O projeto, que oferece aulas diárias e bolsas de estudo para 380 mil participantes, inspirou Rogério a criar sua Locomotiva. De volta ao Brasil, ele apresentou a ideia para empresários que se interessaram em patrocinar o projeto, oficialmente lançado em 2 de setembro de 2008.
Não há critério de seleção: qualquer um que queira se dedicar à música pode bater na porta do projeto e começar a frequentar as aulas. A violoncelista Thalita Tedeschi tinha 14 anos quando ingressou na primeira turma do Projeto Locomotiva, que tinha apenas 9 alunos. “Eu ficava mais tempo lá do que em casa”, lembra. Thalita fez parte da orquestra até 2012, quando completou 18 anos. “Me arrependo de ter saído, mas não tive opção”, conta. “Eu já era maior de idade e tive que arrumar um emprego”. Hoje, aos 20, trabalha como auxiliar de farmácia em um mercado em Santo André.
O ano de 2012 também foi difícil para a Locomotiva. As empresas que patrocinavam o projeto não renovaram o contrato, e Rogério quase foi obrigado a fechar o projeto. A solução veio com a ideia de transformar os 10 alunos mais avançados em professores. Uma vez por semana, Rogério e a turma selecionada ficavam duas horas a mais após o período normal de aulas. Em contrapartida pelas aulas extras, esses alunos contribuíam com o ensino dos alunos mais novos. Durante todo o ano, o projeto sobreviveu com doações particulares, até que, em 2013, surgiram novas parcerias com empresas menores. Com os contratos renovados para 2014, foi possível contratar alguns dos alunos-professores como professores efetivos. Um deles é Lucca Silva Alves, de 16 anos, integrante da orquestra desde os 13: “Eu já tinha feito aula de música antes, mas era muita teoria; prefiro aqui, onde tem mais prática”.
Os frutos do projeto vão além da formação da orquestra. Robert Reis, de 18 anos, foi o primeiro a conseguir uma bolsa universitária por meio da parceria entre o Projeto Locomotiva e o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), e ingressará no curso de economia. “Eu era muito bagunceiro na escola. O projeto me ajudou a criar disciplina e respeito pelos professores”. Para ser contemplado com uma bolsa, o aluno não pode ter mais do que quatro faltas por mês nos ensaios diários. Os que abusam das faltas são expulsos do grupo ou têm que cumprir um castigo: passar um mês transcrevendo partituras. “É tão chato que o aluno não falta nunca mais”, garante o maestro. Para o futuro, Rogério pretende aumentar o número de bolsas, para que possam contemplar todos os 51 membros atuais da orquestra.
O Projeto Locomotiva faz, em média, duas apresentações por mês. “A mais marcante foi em um campo de terra em uma favela no bairro Jabaquara”, lembra Rogério. No início da apresentação, cerca de 50 pessoas assistiam à orquestra, mas a música invadiu a casa das pessoas, que saíram às janelas para acompanhar o show. A orquestra passou a se apresentar na comunidade mensalmente, e o encontro ganhou até um nome: Do, Ré, Mi, Favela.
Projeto Locomotiva
Avenida André Ramalho, 460, Parque João Ramalho – Santo André
Tel. 4475-9877