Meus almoços de sábado no Restaurante do Carlinhos, no Pari, nunca serão mais os mesmos. Os deliciosos arais e o basturmá com ovos na manteiga continuarão sendo preparados por Fábio Yaroussalian. O irmão, Fernando, a simpatia em pessoa, continuará recebendo os clientes na porta, enquanto a mãe dos dois, Vartuhy, comandará a brigada de garçons ali do caixa.  Mas o patriarca Carlinhos não estará mais lá na cozinha. Ele faleceu na manhã deste domingo, 20 de janeiro, aos 68 anos.

Na hora de ir embora, eu sempre dava uma entrada na cozinha para me despedir do Carlinhos. E ele estava ali diante de um balcão, por onde saíam travessas enormes de carnes e porções caprichadas de acompanhamentos. Uma única vez consegui conversar mais longamente com o Carlinhos. Foi numa festa de um de seus netos num bufê infantil na zona Norte. Ficamos na mesma mesa e ele me contou um pouco de sua história. Missak Yaroussalian, filho de armênios, nasceu em Damasco, capital da Síria. Chegou em São Paulo em 1948, com 3 anos de idade. Começou a trabalhar cedo, aos 9 anos, ajudando o pai na feira. Depois, com pouco mais de 15 anos, abriu um mercadinho. Como Missak era um nome difícil de ser pronunciado, adotou o apelido de “Carlinhos”.

Casou-se com Vartuhy em outubro de 1970 e, no ano seguinte, abriu a primeira lanchonete – a Carlinhos Bar e Lanches. Ela ficava na Rua Maria Marcolina, no Brás. O primeiro restaurante foi inaugurado em 1988. Era uma casa com 32 lugares na Rua Miller, no mesmo bairro. “Eu não entendia nada do ramo”, me confessou. “Comecei a comprar livros e fui aprendendo”.

Carlinhos ia contando, mas estava sempre preocupado em não deixar meu copo vazio e não poupava também os salgadinhos do bufê. Lembro da cara feia que ele fez ao experimentar um daqueles mini-hambúrgueres. Foi aí que ele contou como foi que inventou o sanduíche que iria transformá-lo numa celebridade da chamada baixa gastronomia da cidade: o arais.

Em 1983, num dia em que estava morrendo de vontade de comer uma esfiha, Carlinhos improvisou na cozinha de casa. Partiu um pão sírio ao meio, pegou carne de cafta e espalhou uma camada bem fininha em um dos lados do pão. Arriscou ainda algumas rodelas de tomate e um toque de limão. Fechou e colocou o pão e a carne para esquentar juntas. O segredo, me explicou, era colocar a mão aberta em cima do pão. Ao sentir que a carne começava a borbulhar, o sanduíche estava pronto. Da primeira vez, não gostou muito. Tirou o tomate e o limão, e fez nova experiência. Aí, sim, aprovou. O arais virou o carro-chefe da casa que seria inaugurada em 1999 na Rua Rio Bonito. O nome foi patenteado pela família, que vende 10 mil unidades por mês da criação.


 No ano passado, os filhos Fábio e Fernando – Felipe é o único que não se aventurou no ramo gastronômico – levaram o arais para além das fronteiras do Pari. Inauguraram a primeira unidade do “Arais do Carlinhos”,  no Bom Retiro, com planos de expansão para outros bairros. Numa reportagem do TV Curioso, os três contaram um pouco da história do prato.

Carlinhos passou 35 dias internado no Hospital Paulistano, no Paraíso – comemorou ali o Natal, o Ano Novo e também o aniversário de 68 anos no último dia 12 de janeiro. Teve alta na sexta-feira e voltou feliz da vida para casa. Faleceu às 10 horas, de parada cardíaca, logo depois de ter tomado o café da manhã no domingo – dia em que  a família comemorava o aniversário de Fábio. Carlinhos já tinha sido vítima de infartos duas vezes (1984 e 1997). Está sendo velado na Paróquia Armênia Católica, na Avenida Tiradentes. Foi ali que, nos últimos 30 anos, Carlinhos organizou os churrascos da comunidade em homenagem a São Gregório de Narek, monge e poeta armênio. O enterro acontece nesta segunda-feira, às 11h, no Cemitério da Quarta Parada, no Belenzinho. A missa de sétimo dia será celebrada no próximo domingo, dia 27, na mesma igreja, às 11h.

(Fotos de José Luis da Conceição e Ernesto Rodrigues/Estadão)