Um casal de fotógrafos cuida de tudo nos mínimos detalhes. Ajusta a iluminação, prepara as configurações da câmera, escolhe a melhor posição. À frente das lentes, a “modelo” parece impaciente. Prenha, a serpente urutu-cruzeiro não parece gostar do disparo do flash. O fotógrafo nem tem tempo de reagir quando a paciência se esgota e o animal venenoso dá o bote para se defender da pequena distância entre ele e o humano. Os cuidadores, que acompanham o trabalho por questões de segurança, dão risada da situação já esperada. A vítima do susto não o medo. Começa, então, o procedimento de amansamento da cobra: coloca-se um balde sobre ela para que seu ambiente fique completamente escuro. Quando o balde for retirado, ela deverá estar mais calma. Mas por pouquíssimo tempo. Por isso, é preciso ter muita agilidade e precisão para capturar a imagem.

A urutu-cruzeiro que deu o bote e assustou o fotógrafo. (Foto: Divulgação)

Essa é apenas uma das histórias dos bastidores de “As Principais Serpentes da Cidade de São Paulo”, livro fotográfico que será lançado no início deste ano pela Editora Vento Verde. Com cerca de 120 fotos feitas dentro do Instituto Butantan, na zona oeste da cidade, a publicação irá misturar arte e ciência. As imagens captadas pelas lentes da dupla Pedro Campos e Stella Curzio serão acompanhadas dos textos e das pesquisas científicas do diretor do Laboratório  de Ecologia e Evolução do Instituto, o doutor Otavio Augusto Vuolo Marques. Foram seis meses de visitas constantes ao Butantan e também de pesquisas em zoológicos. Pedro e Stella fizeram um total de 2 mil fotos para alcançarem o resultado desejado.

O casal trabalha junto há quatro anos e já havia tido experiência semelhante ao fotografar jacarés de papo-amarelo, jiboias e outros animais em projetos de conservação da área ambiental: “Fomos fazer uma filmagem no Butantan e percebemos que poderíamos fazer um livro mostrando as serpentes que haviam lá”, conta Pedro Campos. A ideia inicial era justamente essa: fazer um livro com todas as serpentes que habitam o instituto. Depois, por orientação do doutor Otavio, houve a opção por fotografar apenas as que são encontradas na cidade.

Com a pouca oferta de trabalhos semelhantes no país, Pedro buscou inspiração em fotógrafos estrangeiros, como o americano Joel Sartore: “Ele tem um trabalho incrível com animais em extinção. Usamos a técnica de fotografar em fundos pretos e brancos”, conta. Outras referências foram o também americano Mark Laita, que recentemente publicou extenso trabalho fotográfico com serpentes, e o suíço Guido Mocafico. Dessa forma, o casal chegou ao Instituto Butantan com uma ideia já pronta. Tiveram que esperar seis meses até conseguirem todas as autorizações legais, sempre com a ajuda do doutor Otavio e apoio do diretor do museu biológico do Instituto, Dr. Giuseppe Puorto. “Acho até que isso explica porque temos poucos projetos do tipo no Brasil”, afirma Pedro. “A legislação é totalmente restritiva a esse tipo de trabalho”.

Os trabalhos foram divididos em duas frentes. Enquanto Pedro fez imagens do alto, captando o plano em que a cobra não tem nenhum tipo de camuflagem, Stella fotografou do chão, buscando o detalhe e muitas vezes ficando cara a cara com o animal: “Acho que sou mais sem noção”, brinca ela. “Não vejo os animais como um risco, pois, a partir do momento que tomamos conhecimento, aprendemos a cuidar e conservar. Não tive medo”. Enquanto um fotografava, o outro auxiliava no movimento da placa de proteção, que também servia como rebatedora de luz. Tudo para garantir o melhor ângulo. Ao Instituto, coube oferecer todas as condições para que o risco de acidente fosse zero. Os fotógrafos garantem que nada foi vetado e que sempre foram acompanhados por profissionais que tinham total conhecimento de como lidar com as espécies, com destaque para o serpentarista Luan Monteiro.

Cascavel: “Parecia uma modelo que estava de fato posando para a foto” (Foto: Divulgação)

Por incrível que pareça, o ponto de maior dificuldade foi fotografar as cobras que não possuem veneno. A explicação faz todo sentido: “Algumas espécies são mais calmas, permanecem imóveis por mais tempo, observam cada movimento porque ficam estudando o ataque; geralmente são as cobras peçonhentas, porque elas possuem uma glândula produtora de veneno localizada no maxilar superior, então com apenas uma mordida, elas eliminam o predador. Já as serpentes que não são peçonhentas não param, querem fugir, intimidam simulando botes”, explica Stella.

Apesar do espanto que as pessoas revelam quando tomam conhecimento do projeto, o casal aposta no sucesso da empreitada: “A serpente é um animal absolutamente encantador e misterioso. Você nunca sabe qual será a reação dela. E tem um lado místico e religioso que é fascinante”, explica Stella. “Existe uma pesquisa que mostra que os países cristãos têm uma taxa de rejeição às serpentes que bate nos 80%. Nos demais, chega só a 12%. Então muito da rejeição vem do lado religioso. Mas, ao mesmo tempo, é um animal que desperta muita curiosidade. O livro irá atrair também quem for estudioso da área ou quem gostar da natureza”, aposta Pedro. “As Principais Serpentes da Cidade de São Paulo” está em pré-venda no momento. A obra de 138 páginas custa R$ 115 e terá uma tiragem limitada. Os interessados devem acessar o site e preencher um formulário. De posse do número real de pedidos, o livro será impresso.

A coral foi escolhida para a capa do livro por carregar o preto, o branco e o vermelho da bandeira paulista (Foto: Divulgação)

O livro conta com imagens extras de serpentes que não são endêmicas da cidade, mas que mereceram, por sua beleza, divulgar a intenção de promover a continuidade do projeto. Enquanto isso, Stella seleciona a cascavel como protagonista de sua foto preferida: “Parecia uma modelo que estava de fato posando para a foto. Tirei uma foto de perfil onde os olhos dela lembravam cristais”, recorda. Pedro também coloca a cascavel como uma das suas favoritas, mas lembra ainda da caninana preta-e-amarela que, quando camuflada, “parece um pneu”. Também cita a coral, escolhida para a capa do livro por carregar o preto, o branco e o vermelho da bandeira do Estado de São Paulo. Na hora de escolher apenas uma, porém, ele fica justamente com a urutu-cruzeiro que o atacou: “Quando camuflada, ela tem uma espécie de cruz na cabeça. É um animal cercado de vários mitos e histórias. E foi a foto mais difícil”, justifica.