O cartunista Glauco Vilas Boas é o personagem da 30ª edição da “Ocupação Itaú Cultural”, que está em cartaz até o próximo dia 21 de agosto. O cartunista, paranaense de Jandaia do Sul, começou a trabalhar em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Mas ganhou fama mesmo em São Paulo, onde chegou a dividir apartamento com os também cartunistas Henfil e Nilson Azevedo. Seus desenhos fizeram história no Diário da Manhã, na Circo Editorial e na Folha de S. Paulo. Glauco trabalhou como roteirista em programas como TV Pirata e TV Colosso. Foi assassinado em 2010, aos 53 anos, em sua própria casa, em Osasco, na Grande São Paulo. O universitário Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, de 23, membro de uma igreja daimista que Glauco criou no local, chegou armado com uma pistola automática e uma faca. Além de Glauco, o agressor também matou o filho mais velho do ilustrador, Raoni, de 25 anos.
O São Paulo para Curiosos preparou uma lista de curiosidades sobre o backstage da exposição e sobre o próprio desenhista:
1. O processo de curadoria da exposição durou 9 meses. A maior parte do acervo pertence a Beatriz Veniss, viúva do cartunista. Também foram utilizados alguns trabalhos dos acervos d0s cartunistas Toninho Mendes, Emílio Damiani, Angeli, Laerte e do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região.
2. No processo de montagem, quinze pessoas trabalharam na produção interna: cinco marceneiros, uma cenógrafa, duas pessoas responsáveis pelo piso tátil e sete comunicadores (entre designers e produtores editoriais). A montagem do espaço de 120 metros quadrados levou duas semanas. A exposição foi aberta ao público em 9 de julho.
3. Numa mesa interativa, luzes se acendem colocando em destaque os principais personagens de Glauco. Os visitantes são convidados a desenhar por cima dos traços do artista. Ele teve o primeiro contato com o desenho por influência da mãe, Maria Aparecida Villas Boas, que também pintava e sapateava. Glauco costumava fazer desenhos, piadinhas e rimas até em folhas de papel higiênico.
4. Um dos 160 originais que podem ser vistos na “Ocupação” é do primeiro dia de trabalho de Glauco com José Hamilton Ribeiro, no Diário da Manhã, em 1977. Ribeiro propôs que, em vez de usar três quadrinhos para contar uma história, Glauco fizesse tudo em um só – ideia que daria origem à charge do dia. O cartunista precisou entregar a charge às 22 horas daquele mesmo dia. Na manhã seguinte, seu primeiro desenho profissional apareceu na imprensa (abaixo).
5. Glauco buscava inspiração para seus personagens em diversas áreas da arte. Ou de sua própria vida. Edmar Bregman é uma brincadeira com o cineasta Glauber Rocha. O drogado Doy Jorge teve o músico Boy George como inspiração. Já Zé Malária nasceu em uma viagem com Otávio Frias Filho, diretor da Folha de S. Paulo. A série “Casal Neuras”, foi inspirada em um relacionamento que o artista viveu. A vida dos dois na tirinha é baseada em ciúme, rotina e traição.
6. Glauco era conhecido por ser distraído e atrasado. Henfil o apelidou de “Doril” – por causa do slogan “Tomou Doril, a dor sumiu”. Glauco costumava perder tudo, de documentos a chave de casa. Henfil brincava: “Glauco Doril: É dele? Sumiu!”.
7. Os temas mais comuns de suas tirinhas eram nudez, sexo, drogas e política. Geraldão é seu personagem mais famoso. Ele tem uma relação edipiana com a mãe. Frequentemente espiava a mãe tomando banho pela fechadura. O público prova de uma sensação semelhante: olhando por um buraco que imita fechadura, é possível ver charges de Geraldão e sua mãe.
8. Glauco costumava desenhar Geraldão excitado, com a parte de baixo do corpo sempre à mostra. Os editores não aprovavam a ideia e pediam sempre que ele colocasse uma tarja que escondesse os órgãos genitais do personagem. Ele resistia e passava a responsabilidade para algum outro ilustrador. De tanto que isso aconteceu, os editores se renderam e Glauco foi autorizado a publicar Geraldão sem a tarja.
9. Glauco chegava à redação pouco antes do horário de fechamento. Sem a charge pronta, chamava os amigos para tomar cerveja – e para se inspirar. Bastavam 15 minutos e menos de um copo para ele ter a sacada e sair correndo para desenhar.
10. Em 1978, Glauco e Emilio Damiano, também ilustrador, foram demitidos da Folha de S. Paulo por apresentarem conteúdo incompatível com a linha editorial do jornal. Emilio foi embora e só retornaria em 1982. Segundo a exposição, Glauco se fez de desentendido e continuou trabalhando lá como se não tivesse sido demitido.
11. Glauco desenhava com nanquim no papel. Depois escaneava o desenho e aplicava cores no computador. O cartunista costumava deixar recadinhos atrás das tirinhas e charges que mandava para o jornal. Às vezes pedia, sempre com bom humor, para acrescentarem cor a alguma parte do desenho que ficou faltando. Ou apenas deixava mensagens de despedida:
12. Uma das melhores histórias contadas na exposição aconteceu em frente ao Bar Avenida, na Avenida Pedroso de Morais, em Pinheiros. Policiais encontraram cocaína no plástico de seu cigarro. Glauco foi preso. Dentro do camburão que circulou por duas horas pela cidade, um dos policiais perguntou qual era sua profissão. Respondeu: “Sou desenhista”. Duvidando, o policial pediu para que ele desenhasse o parceiro que estava no banco ao lado. Morrendo de rir com a caricatura, os dois companheiros deram carona de volta para Glauco.
13. Há um espaço dedicado para a segunda atividade que Glauco mais se motivou na vida. “Do Humor ao Daime” conta a história da primeira igreja com culto do Santo-Daime em São Paulo, criada por ele em 1997. A partir de sua morte em 2010, Beatriz Galvão – com quem Glauco foi casado por 15 anos – tornou-se líder da igreja daimista Céu de Maria. Toda a interação é feita ao som de hinos escritos por ele para o culto. Angeli criou o personagem Rhalah Rikota quando Glauco se aproximou do Santo Daime e se tornou líder espiritual.
14. Todos os textos presentes no espaço com letra de mão são baseados na caligrafia de Glauco. Para conseguir reproduzi-la, o Itaú Cultural contratou a letrista Lilian Mitsunaga, que criou uma fonte baseada na letra do autor, que será cedida à família no final da exposição.
15. A Ocupação Glauco fecha um ciclo com os três artistas que são considerados a “Santíssima Trindade dos quadrinhos brasileiros”. A trilogia teve a Ocupação Angeli (2012) e a Ocupação Laerte (2014), que juntas tiveram 90.000 visitantes. Os três produziram a série Los Tres Amigos. “Angel Villa”, “Laerton” e “Glauquito” eram os personagens que se aventuravam pelo Oeste do México.
Serviço:
Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149, Bela Vista
Terça a sexta, 9h/20h; sábado, domingo e feriado, 11h/20h.
Entrada grátis
Até 21 de agosto de 2016
(com reportagem e fotos de Gabrielli Menezes)