A longa mesa de madeira do Salão Nobre da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo poderia comportar mais do que as 12 pessoas que estavam ali sentadas. Às 14 horas, observado por personalidades históricas de São Paulo emolduradas em mais de uma dezena de quadros, o chefe de gabinete da Secretaria de Justiça, Eduardo Alex Barbin Barbosa, iniciou a “60ª Reunião Extraordinária do Conselho Curador do Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor)”, com a intenção de discutir a troca do cargo de diretor executivo do órgão. Havia a suspeita de uma manobra política na mudança no cargo – a substituição de Paulo Arthur Góes por Alexandre Modonezi. No meio da reunião, quando a troca do diretor se mostrou irrevogável, Elici Bueno, coordenadora-executiva do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), associação privada, anunciou aos presentes: “O Idec está fora do Conselho do Procon por causa do loteamento político ocorrido no órgão”. A sentença de Elici evidenciava a atual situação do Procon: o uso do órgão de defesa do consumidor para interesses políticos.

Em 19 de junho de 2014, um dia depois de decretada a saída do Idec do Conselho do Procon, a Folha de S. Paulo revelou que a troca de Arthur Góes por Modonezi foi motivada pelo interesse de Geraldo Alckmin em contar com o apoio do PRB nas eleições para governador de 2014, o que incluía a não candidatura de Celso Russomanno ao cargo. Em troca, o PRB escolheria um nome para a direção executiva do Procon. Alexandre Modonezi, que então exercia o cargo de superintendente do Ipem (Instituto de Pesos e Medidas), foi o escolhido de Celso Russomanno, o deputado federal mais votado do Brasil este ano. “Eu conheço o Celso, mas não sou amigo pessoal. Já fizemos algumas reuniões”, defende-se Modonezi. “Não houve indicações”. Russomanno seguiu a mesma linha do diretor executivo do Procon: “Temos apenas uma relação profissional.”

Por direito, Paulo Arthur Góes deveria ser o diretor executivo do Procon até janeiro de 2015 – ele estava em seu segundo mandato, iniciado em janeiro de 2013. “Trocar o diretor foi uma atitude afoita e precipitada”, afirma a coordenadora-executiva do Idec, Elici Bueno. “Não temos problema com o novo diretor, mas como os trâmites foram feitos.”

Alckmin e Russomanno em campanha para o tucano em 2014: quem paga a conta do pastel? (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

Alckmin e Russomanno em campanha para o tucano em 2014: quem paga a conta do pastel? (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

Apesar de negar divergências com o atual diretor do Procon, Elici afirma que o diálogo com o órgão piorou depois da entrada de Modonezi. “Fizemos uma representação junto ao Procon sobre o uso da água há 20 dias e ainda não tivemos retorno”, conta. “Antes, o contato sempre foi imediato.” A função do Conselho é zelar pela independência e lisura do Procon, o que, para o advogado de defesa do consumidor e ex-colunista do Jornal da Tarde, Josué Rios, não vem acontecendo. “O Procon está se transformando em um órgão aplicador de multa. Não ensina mais sobre os direitos do consumidor, quer apenas dinheiro”. A opinião de Josué Rios é compartilhada por Marilena Lazzarini, graduada em Engenharia Agronômica pela USP e diretora do Procon entre 1983 e 1987. “O perigo da politização do Procon é ficar preso a interesses econômicos e eleitoreiros”, afirma ela.

A escolha do diretor executivo do Procon é feita pelo governador. Com a exoneração de Paulo Arthur Góes, uma lista tríplice foi formada com os nomes de Alexandre Modonezi, Andréa Sanchez e Márcio Marcucci. “Essa lista é uma ficção, o nome já vai escolhido para o governador”, afirma Josué Rios, conhecedor dos meandros do Procon. “Colocam um diretor fantoche para fazer figuração”. Apesar das afirmações que o escolhido já havia sido decidido antes mesmo da reunião realizada na Secretária da Defesa, Alexandre Modonezi refuta as acusações. “Soube que estava indo para o Procon quando o Paulo [Arthur Góes] renunciou”, ressalta. “O secretário da Casa Civil, Edson Aparecido, me ligou dizendo que o governador havia me escolhido para dirigir o Procon.” Márcio Marcucci, um dos três nomes que figuravam na lista, afirmou que “o Procon não autoriza falar sobre a escolha dos diretores”.

Alexandre Modonezi (foto) nega envolvimento com Russomanno: "Somos conhecidos, não houve indicação"

Alexandre Modonezi (foto) nega envolvimento com Russomanno: “Somos conhecidos, não houve indicação”

Dispensado do Procon, Paulo Arthur Góes agora é assessor especial do governador. “A prova que a gestão de Arthur Góes não dizia muito para o Procon foi sua saída premiada com um cargo no governo”, diz Josué Rios. Arthur Góes foi procurado pelo blog, mas não quis dar entrevista.

Paulo Arthur Góes, exonerado do Procon, tornou-se assessor especial do governador

Paulo Arthur Góes, exonerado do Procon, tornou-se assessor especial do governador

Para apoiar Geraldo Alckmin em 2014, Celso Russomanno já havia indicado um representante do PRB, Rogério Haman, para a Secretaria de Desenvolvimento Social. O acordo envolvia também o cargo na direção do Procon, conquistado por seu aliado Modonezi. Sobre o relacionamento pessoal com o Procon, apesar de negar ser influente no órgão, Russomanno afirma: “Tive problemas com o Procon lá atrás, porque eu batia muito duro na lei. Hoje, o Procon se norteia por aquilo que falo. Pacificamos os critérios da defesa do consumidor”. No dia 23 de outubro passado, acompanhado de Alexandre Modonezi, Celso Russomanno fez uma demorada visita à sede do Procon. Russomanno caminhou por todos andares do prédio, seguido por uma pequena legião de funcionários que apoiaram a troca da diretoria. Dentro do órgão, no entanto, existe uma parcela numerosa de funcionários que não aprova a conduta do deputado federal. “O Russomanno se infiltra no órgão e acha que faz o que quiser”, afirma uma funcionária.  Às vésperas do Dia das Crianças, ele já deu mostras do que virá por aí. Ele fez uma reportagem para o Programa da Tarde sobre os riscos de alguns brinquedos junto com uma diligência do Procon. Aparecer na televisão junto com uma equipe do Procon dá mais credibilidade ao político, que já estaria pavimentando sua candidatura para a prefeitura de São Paulo em 2016. “É bom que tenha alguém lá do Congresso que defenda os direitos do consumidor, mas que ele fique lá longe, em Brasília”, dispara Marilena Lazzarini.

Quando o repórter Lucas Strabko, do São Paulo para Curiosos, perguntou à Celso Russomanno se ele havia indicado Alexandre Modonezi para a direção do Procon, a ligação caiu. As três tentativas de retomar a conversa por telefone acabaram na caixa postal. Será o caso de entrar com uma denúncia contra a empresa de telefonia celular no Procon ou seria melhor chamar a “Patrulha do Consumidor”?