Com o intuito de preservar as árvores mais antigas de São Paulo, o biólogo Ricardo Cardim, 36 anos, criou em 2012 o projeto Veteranas de Guerra, em parceria com a ONG SOS Mata Atlântica. “Listei 20 das cerca de 60 árvores centenárias da cidade”, conta o biólogo. O objetivo é que os paulistanos adotem essas árvores e ajudem na limpeza e fiscalização dos vegetais.

Ricardo teve a ideia do apadrinhamento das árvores depois de ouvir a história de Yara Rodrigues Calda. A senhora de 57 anos cuida desde 1973 da árvore paulistana mais antiga viva em São Paulo. Trata-se de uma figueira plantada no início do século 19, no atual número 515 da Estrada das Lágrimas, no bairro do Sacomã. Yara mora há 41 anos em uma casa no terreno ao lado do ocupado pela árvore. “Na hora de assinar o contrato, disseram-me que aquela terra também fazia parte do imóvel que eu estava comprando”. Assim, ela tornou-se cuidadora da figueira, que ficou famosa por ser o ponto das despedidas dos paulistanos que foram para o campo de batalha na Guerra do Paraguai. Numa homenagem às lágrimas dos familiares desses homens, a árvore foi batizada de Figueiras das Lágrimas.

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Yara e a Figueira das Lágrimas

Quando assumiu os cuidados da figueira, Yara não imaginou que isso pudesse lhe causar tanta dor de cabeça. Os problemas começaram em 1985, quando parte de um galho da planta caiu em seu telhado. “O prefeito Jânio Quadros não gostou do que viu, e me acusou de ter arrancado sozinha aquele toco de árvore de quase três toneladas”, recorda-se. Recentemente, ela solicitou à prefeitura que mandassem um caminhão pipa para regar a planta. “Minha conta de água estava vindo muito alta”, justifica. “Hoje, um caminhão aparece uma vez por semana”. O último impasse, que teve início há oito anos, ainda não tem solução. “A raiz da árvore é muito grande e continua crescendo. Em 2006, ela começou a forçar o muro do terreno para fora”, conta, apontando para a o local desnivelado. “Eu não posso reformar porque o espaço é tombado. A prefeitura promete que vai consertar, mas até hoje só colocou alguns tapumes.

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Lucília e o muro invadido pela raiz da figueira

Mestre em botânica pela Universidade de São Paulo, Ricardo Cardim explica que o maior impasse em relação à preservação do verde nos meios urbanos é o estrangeirismo das espécies. “É claro que a construção desenfreada de casas e prédios colabora para o desmatamento, porém o principal problema é que 90% das espécies de vegetais na cidade de São Paulo não são nativas”. O dilema atual do projeto envolve justamente duas árvores que não são nativas da Mata Atlântica. Trata-se de duas seringueiras da espécie Hevea brasiliensis, originárias do Amazonas. As árvores vivem há cerca de 80 anos em frente ao antigo Hospital Matarazzo, a poucas quadras da Avenida Paulista, onde em breve será construído um empreendimento luxuoso do Grupo Allard.

Lucília Siqueira, 48 anos, professora de História, Memória e Patrimônio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e moradora do 18º andar do prédio em frente ao hospital, desconfia que as árvores não sejam incluídas no novo projeto arquitetônico. “Numa maquete feita por alunos universitários, não estavam previstas as seringueiras”, conta. O artista plástico Alex Flemming, de 60 anos, chegou a gravar um vídeo pedindo a permanência das árvores. “Falar que elas não são nativas nem centenárias pode ser uma desculpa para a remoção”, teme Ricardo. O blog São Paulo para Curiosos visitou a sede do Grupo Allard, mas não obteve autorização para ver a maquete, uma vez que o projeto está sendo analisado e aguarda aprovação da prefeitura de São Paulo, que não tem previsão para divulgar o parecer.

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Vista aérea da copa das serigueiras plantadas em frente ao antigo Hospital Matarazzo

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As duas serigueiras que poderão ser removidas da frente do antigo hospital

“Quando existe a necessidade de suprimir as árvores de um terreno, é necessária uma licença da prefeitura”, enfatiza o biólogo Guilherme Domenichelli, autor do livro O resgate da tartaruga. Ele explica que o procedimento de remoção de árvores é comum na cidade de São Paulo, que costuma aplicar um sistema de compensação. “Junto à licença, vêm especificados o número e a espécie das árvores que terão de ser plantadas no lugar da removida”. O biólogo alerta ainda que é mais provável que as seringueiras sejam cortadas do que removidas. “No caso de grandes árvores, o processo de remoção, além de caro, é raramente bem sucedido”.

A ONG SOS Mata Atlântica garante ter recebido novas denúncias de descaso e crimes ambientais depois da ação do projeto Veteranas de Guerra, o que sinaliza um interesse da população pelo assunto. No entanto, a ONG confessa não fazer um acompanhamento do apadrinhamento das árvores.