Sessenta pessoas desembolsaram 500 reais para uma experiência gastronômica diferente no último domingo, dia 3. O almoço, idealizado pela badalada chef Bel Coelho, teve a presença de três cozinheiros que chegaram ao Brasil como refugiados. O almoço era em benefício do Instituto de Reintegração do Refugiado (Adus), que auxilia os recém-chegados a se estabelecerem no país. A ONG tem 2 mil pessoas cadastradas, entre refugiados, solicitantes de refúgio e pessoas em situação análoga ao refúgio. Adus quer dizer “acesso” ou “entrada” em latim. O instituto ficou com metade dos 30 mil reais arrecadados. O restante foi usado na produção do evento. “Queríamos mostrar que essas pessoas que chegam ao Brasil não são de outro planeta”, diz Marcelo Haydu, diretor executivo do Adus. “É gente com muitos talento. Eles podem ajudar o país a crescer economicamente e culturalmente. Por isso são os protagonistas dessa festa”.
O cardápio foi inspirado na nacionalidade daqueles que pilotaram o fogão ao lado de Bel Coelho: o sírio Kamal Kabara, o palestinio Mazen Swawe e a congolesa Rachel Nyembo. “Foi um desafio delicioso”, aprovou Bel. “Todas essas culturas são muito ricas do ponto de vista gastronômico”. O cardápio teve 7 pratos: patacón com polvo grelhado e maionese de baniwa; ceviche de pargo com espuma de abacate; falafel com ragu de cordeiro e zatar; salada vermelha com hortelã, coalhada fresca e ar de pepino; camarão grelhado com farofa de amendoim, purê de mandioca e molho de coco; arroz de galinha d’Angola com quiabo grelhado e farofa de fubá; e, como sobremesa, doce de damasco, creme de cardamomo, sorvete de pistache, gelatina d’água de flor de laranjeira e caramelo de rosas.

Mazen Swawe, Rachel Nyembo, Kamal Kabara e Bel Coelho: almoço para 60 comensais
Kamal Kabawa, 44 anos, já está há um ano e meio no Brasil. Chegou com a mulher, cinco filhas e um cunhado. Na Síria, trabalhava como juiz. Por aqui, teve que se virar na cozinha. Participou de feiras e bazares do Adus até conseguir abrir um restaurante no bairro da Mooca. Contou com uma bem-sucedida campanha de crowdfunding, que o ajudou a arrecadar 70 mil reais. O Esfiha e Doces Árabes vende comidas feitas por ele. Kamal vivia numa mansão de 5 andares em Alepo, na Síria, que foi destruída em meio à guerra. Hoje mora num pequeno apartamento também na Mooca. “Vou reconstruir minha vida aqui passo a passo”, conta ele. “Não quero mais voltar para lá. Gostei dos dos brasileiros”.
Ao contrário de Kamal, o palestino Mazen Sawawe, 28 anos, já trabalhava na área. Nasceu e morou na Síria, mas é considerado palestino por causa da nacionalidade do pai. Trabalhou no Hotel Damasco e no Blue Tree, ambos na capital Síria. Chegou a abrir seu próprio restaurante, mas teve a infelicidade de vê-lo no chão. Está no Brasil há dois anos e meio. Já vendeu água em semáforos e até camisetas da Seleção Brasileira durante a Copa de 2014. Participou de eventos em foodparks com o Adus e agora tem seu próprio quiosque, chamado Lembranças & Sabores, no Foodpark Tatuapé. Trabalha também com encomenda de almoços e jantares.
Por causa da guerra civil que estourou em seu país, a congolesa Rachel Nyembo chegou ao Brasil há três anos. Ela trabalhou no restaurante da mãe, na capital Lubumbashi, mas aqui ainda não conseguiu um emprego. Vive graças à ajuda de um irmão, Alphonse, que veio junto com ela. Ele trabalha na Lewa Brasil e leciona no Adus. Rachel tem uma filha de 3 anos. “Além de gastronomia, gosto também de moda”, avisa ela. Rachel não descuidou em nenhum momento do visual e chamava a atenção pelo gigantesco par de brincos que estava usando.

Rachel, Bel e Mazen preparam juntos um dos 7 pratos que foram servidos
Uma hora antes do almoço, Bel fez a reunião de serviço: “Os garçons experientes podem carregar três pratos, os demais apenas dois, por favor”. Durante a preleção, ela lembrou também de detalhes de etiqueta, como servir o prato sempre pelo lado direito e retirá-lo pelo esquerdo. Depois disso, a equipe de oito garçons teve 15 minutos para se servir de macarrão à bolonhesa.
Foi Bel Coelho quem conseguiu emprestada a mansão da Rua Groenlândia, no Jardim Europa. Bel chegou às 8 horas, quatro antes do previsto para a entrada dos comensais. Mas a preparação dos pratos começou na quinta-feira, com o preparo da galinha d’Angola. “Utilizamos 8 galinhas para o arroz, 8 quilos de camarão e 6 de tainha para servirmos bem as 60 pessoas”, contabiliza Bel. O Adus não foi o primeiro instituto que a chef apoiou. Tucca, Trapézio, Vaga-lume, Projeto Busca-Pé e Gastromotiva estão entre os grupos que já foram ajudados por ela. “Atuo no terceiro setor desde adolescente”, diz, orgulhosa. “Não consigo enxergar a evolução de um país sem a participação ativa da sociedade para alcançar um cenário mais justo e igualitário.”
(com reportagem e fotos de Gabrielli Menezes)